Rilla de Ingleside é o 8º livro da série Anne de Green Gables e, como o título já indica, é protagonizado pela filha mais nova dos Bythe, Rilla!
E como toda menina caçula, tudo que ela mais quer é poder fazer o que os jovens podem e ela não: sair para dançar, vestir certos vestidos ou penteados.
Porém, embora o início dê a impressão de que este será o livro mais leve da série, ele acaba sendo o mais triste e reflexivo: Rilla é apenas uma garota que quer viver sua adolescência, mas seu mundo (e de todos) desmorona quando as notícias de uma guerra começam a surgir.
Sua juventude irá passar seguindo as notícias diárias da guerra, coisa que todos na casa, que antes nem davam bola para as notícias mundiais, agora acompanham e esperam ansiosos todos os dias.
O livro basicamente, após a introdução de Rilla e seu pequeno mundinho, acompanha cada passo da 1ª Guerra Mundial através das notícias que chegam pelo jornal ou pelo telefone, mostrando o que aconteceu no front, mas também com as mulheres que ficaram em casa, esperando por seus entes queridos… e a coragem e a determinação necessárias para isso.
“A guerra era algo infernal, terrível e hediondo; demasiadamente terrível e hediondo para acontecer no século XX entre nações civilizadas. A mera ideia era abominável e deprimida Wlater como uma ameaça à beleza da vida”.
Rilla de Ingleside
A autora Montgomery e a guerra
L. M Montgomery, a autora dos livros de Anne, nasceu na Ilha do Príncipe Eduardo, no Canadá, em 1874. Muito da sua própria história de vida está impressa em suas palavras, de diversas formas diferentes.
Por exemplo: ela foi criada por seus avós após a morte da sua mãe (e seu pai decidiu deixá-la aos cuidados de sua avó). Em sua biografia, falam muito sobre como ela cresceu sozinha, criando amigos imaginários e usando sua criatividade para não se sentir tão solitária (o que lembra a história de Elizabeth, no livro Anne de Windy Poplars).
Enquanto crescia, ela também escreveu poemas que foram rejeitados para publicação, como Anne.
Montgomery também presenciou os horrores da guerra (e tinha uma opinião muito negativa sobre ela) enquanto estava no Canadá. Em Rilla de Ingleside, aqui sua vivência está impressa na personagem Susan.
“Montgomery comemorou cada vitória dos Aliados em sua casa, por exemplo, hasteando a bandeira russa quando soube que os russos haviam capturado a supostamente inexpugnável cidade-fortaleza otomana de Trebizonda em abril de 1916. Cada derrota dos Aliados a deprimia.”
Tradução literal da biografia disponível no Wikipedia
Ela estava sempre acompanhando as notícias da guerra através dos jornais.
E é aqui que o livro de Rilla é tão real, pois retrata a luta diária das pessoas que ficaram e aguardam seus entes queridos retornarem são e salvos. Um relato feito por uma pessoa que de fato passou por aqueles terríveis anos.
A história de Rilla de Ingleside
Rilla de Ingleside começa com Susan lendo o jornal, focada nas Notas sobre Glen — basicamente as fofocas locais — sem mostrar interesse pelo que acontecia no mundo além da pequena cidade.
É nesse momento que somos introduzidos às novidades das “crianças” que antes brincavam no Vale do Arco-Íris, mas que agora são jovens em busca de seus sonhos e realizações.
Tirando, porém, Rilla, que diferente de seus irmãos, não tem vocação ou vontade de estudar ou trabalhar. Tudo que ela sonha é de poder dançar e curtir sua tão esperada adolescência!
Ela sonha e sonha sobre poder participar das festas, de dançar com os meninos e de ter noites prazerosas com seus novos vestidos e sapatinhos. Mais do que tudo, ela espera que as pessoas não a vejam mais como criança, mas sim com uma moça (principalmente por Ken, amigo do seu irmão mais velho).
Mas sua noite perfeita é arruinada quando a notícia da guerra chega no meio da festa, aturdindo a todos. Jem, seu irmão mais velho, não vê a hora de se alistar e ir defender seu país. Walter, seu outro irmão, já vê a guerra com uma coisa terrível e espera não precisar participar dela.
“Será que a vida era assim: alguma coisa maravilhosa acontece e, então, justamente quando estamos aproveitando-a, ela é tirada de nós?”
Rilla de Ingleside
Com essa notícia, todos ao seu redor mudam. Os homens são alistados. E a própria Rilla precisa amadurecer muito mais rápido.
Com o começo da guerra, Jem indo embora e devastando Anne, Rilla também é confrontada com uma decisão difícil.
Ela, que não queria ter filhos e não gosta de crianças, se vê em uma casa onde um bebê, que acabara de perder sua mãe e seu pai foi para guerra, está com frio, com fome e sem ninguém decente para cuidar dele.
Assim ela, que tem apenas 15 anos, decide levá-lo para casa e cuidar dele, criando o que ela chamará de “filho da guerra”.
“Quando somos obrigadas a fazer algo, querida senhora, somos mais do que capazes.”
Susan em Rilla de Ingleside
Porém, o que todos achavam que seria uma guerra de apenas alguns dias, se torna uma guerra de anos. Com perdas e vitórias, inclusive entre a família Blythe, que perderá um dos seus membros.
Minha opinião sobre o livro
Rilla de Ingleside é um livro que perde a magia e o tom positivo dos outros livros da série de Anne. É um livro mais maduro, realista e até mesmo triste.
Aqui não temos uma história com trapalhadas ou momentos divertidos da personagem (apesar de ter alguns detalhes aqui e acolá que tentam minimizar o tom depressivo da história), mas uma narrativa sobre uma menina que perde sua adolescência para algo muito maior do que ela.
“Nosso sacrifício é maior do que o dele – exclamou Rilla. – Nossos rapazes se voluntariam. Nós renunciamos a eles.”
Rilla de Ingleside
Por conta disso, muito da essência que me fez amar Anne totalmente se perdeu aqui mais do que naturalmente, é meu livro menos favorito de toda a série.
Outro ponto que preciso salientar é que aqui os personagens principais são Rilla, onde os eventos principais se concentram, e Susan, que é a pessoa que mais acompanha as notícias da guerra e dá suas opiniões sobre ela.
Anne é completamente “esquecida”. Sua personagem é tão “secundária” que ela deixa de ser chamada de Anne e vira apenas “Senhora Blythe”. Seu papel é apenas de mãe dos meninos, com pouquíssimo envolvimento.
É nesse livro também que um dos irmãos Blythes não retorna da guerra (todos eles acabam se alistando, invariavelmente, para “proteger seu país”). Eu já sabia que um deles partiria, mas foi agoniante, assim como foi para os personagens, saber qual deles voltaria ou não para casa.
“Às vezes é alto demais o preço que pagamos para viver.”
Rilla de Ingleside
Sinceramente, se você gosta de história mais dramáticas, pode ser que goste desse livro.
Eu é que tinha uma expectativa muito diferente sobre ele, sabe?
Porém não vou dizer que o livro é ruim. Ele é realmente muito reflexivo e me lembrou até diversos momentos atuais.
Ver os personagens achando que a guerra seria apenas de alguns dias, e que não era possível que em pleno século XX nações civilizadas fariam atrocidades umas com as outras, me lembrou da guerra que está acontecendo hoje e também nos primeiros dias do Covid.
Eu também não conseguia me desligar das notícias diárias, sugada por aquele acontecimento tão inesperado e terrível, onde os países não tinham leitos o suficiente para cuidar de todos.
Mas ainda assim claramente não é comparável, nem de longe, ao que os personagens passam aqui. E temos um vislumbre de como foi o dia a dia de quem não estava envolvido diretamente com a guerra.
“Que estranho, sublime e tedioso será não temer o correio todos os dias.”
Rilla de Ingleside
Em resumo, eu achei uma leitura “ok”. E pensar que esse é o último livro da série de Anne!