O início de O Silmarillion representa bem três grandes características do livro: Épico, poético e cheio de nomes!
“No princípio, Eru, o Um, que na língua élfica é chamado Ilúvatar, fez os Ainur do seu pensamento; e eles fizeram uma Grande Música diante dele. Nesta Música o Mundo começou; pois Ilúvatar fez visível a canção dos Ainur, e eles a viram como uma luz na escuridão.”
O Silmarillion
Se você é fascinado pela Terra Média criada por Tolkien, esta leitura pode ser uma das melhores da sua vida.
Pode ser desafiadora – e, sim, precisamos falar sobre isso – mas é definitivamente recompensadora e inspiradora.
Já se você se empolgou assistindo Anéis de Poder ou algum dos vários filmes deste universo tão rico (ou até está esperando os novos filmes que foram confirmados), tenho boas notícias: ler O Silmarillion é talvez a melhor forma de aproveitar ainda mais cada detalhe de todas essas obras!
O livro me permitiu criar intimidade com os temas fundamentais da Terra Média, que são ecoados em todas as outras histórias que acontecem nesse mundo tão rico e fascinante.
Luz e Escuridão: o início de tudo
O Silmarillion tem este nome pois sua história e reviravoltas centrais giram em torno da história das Silmarils, três pedras preciosas criadas pelos primeiros elfos a partir da luz das árvores sagradas de Valinor – o lugar onde vivem os Ainur, espíritos celestiais que criam o mundo.
E como dá pra imaginar pelo começo do livro, que citei acima, isso tudo começa na própria gênese do universo!
Além disso, inúmeras consequências surgiram da criação das Silmarils, ao longo de diversas eras. Em alguns casos, de uma forma bem evidente e, em outros, de forma quase tangencial.
Independentemente disso, a temática sempre presente é a do conflito entre luz e escuridão, estabelecido por Tolkien desde o Ainulindalë – a primeira parte do livro, que fala justamente da criação do universo e dos deuses.
Somando isso ao fato de que não há protagonistas e antagonistas fixos ao longo dos capítulos, a dinâmica de leitura se torna bastante diferente!
Nada é muito óbvio e as possibilidades são sempre infinitas: um personagem que você gosta corre o sério risco de morrer no meio do livro. Como a história se estende ao longo de longas eras, de fato são poucos os personagens que permanecem por mais tempo.
Os verdadeiros personagens são as coisas que eles representam: O conflito entre luz e escuridão, orgulho e humildade, os ideais de sacrifício e redenção.
Além disso, sempre fica uma pulga atrás da orelha sobre o simbolismo de alguns acontecimentos, e a relação que eles têm com a grande trama entre os deuses.
Uma estrutura não-convencional
Assim como várias outras obras de J.R.R. Tolkien sendo publicadas nas últimas décadas – como por exemplo Os Filhos de Húrin, Beren e Lúthien e Contos Inacabados – O Silmarillion foi editado e lançado anos após a morte do autor.
Seu filho, Christopher, fez um extenso trabalho compilando e resolvendo incompatibilidades entre trechos escritos pelo pai em diversos pontos de sua vida, a fim de poder publicar uma versão organizada e coerente das histórias que Tolkien nunca pôde terminar de escrever.
Desta forma, diferentemente de O Senhor dos Anéis ou O Hobbit, O Silmarillion não é uma narrativa linear, mas sim uma coleção de histórias que, juntas, formam um panorama épico das eras iniciais da Terra Média.
Suas histórias não foram criadas para serem lidas exatamente da forma como estão dispostas ao longo dos capítulos.
Porém, ao mesmo tempo que isso torna o livro mais denso e cheio de acontecimentos e nomes, já me peguei algumas vezes revisitando ele e lendo apenas capítulos específicos dos quais sentia saudade – e justamente por serem, em sua maior parte, contos interligados pela trama maior de escuridão contra a luz, pude aproveitar essas partes individuais da história sem precisar reler o livro todo!
Além disso, várias edições incluem apêndices com árvores genealógicas, mapas, glossários e até mesmo uma espécie de léxico explicando o significado de fragmentos das palavras do Quenya, o idioma élfico mais desenvolvido e amplamente conhecido criado por Tolkien.
Isso ajudava muito quando eu queria relembrar quem era um personagem ou entender o significado do nome das coisas.
De quebra, nerds como eu podem usar isso como uma referência formidável para nomear seus personagens em jogos ou suas próprias histórias 😅.
Histórias para Gregos e Troianos
Uma das coisas que mais me marcou no Silmarillion é a diversidade de tons oferecida em suas histórias.
Um dos contos mais comoventes é a história épica de Beren e Lúthien – que inclusive rendeu um livro à parte publicado em 2017, explorando detalhes e desdobramentos dela.
É um romance poético e belo, sobre o poder do amor contra o ódio. É daquelas histórias inspiradoras e comoventes, que me marcou muito mesmo sem ser o maior fã de contos sobre amor.
Em total contraste, preciso destacar a tragédia absoluta encapsulada na história dos Filhos de Húrin, que também foi aprofundada em seu próprio livro publicado em 2007.
Turin Turambar, o herói amaldiçoado, enfrenta desafios épicos apenas para ser consumido pelas sombras de Morgoth. Este capítulo é uma montanha-russa emocional, alternando entre momentos de triunfo e desespero, pintando um retrato doloroso do destino implacável.
É seguro dizer que tem um pouquinho de tudo nesta leitura, o que é ótimo – a narrativa vai se renovando e transformando em cada capítulo, mantendo a leitura cativante e refrescante mesmo sendo recheada de nomes e descrições hiper-detalhadas que são bem típicas nas obras de Tolkien!
Conclusão: uma jornada inesquecível
O Silmarillion é uma leitura que transcende os limites da fantasia convencional e tem um lugar especial na estante do meu coração.
A diversidade de tons, a riqueza poética e a profundidade mitológica proporcionam uma experiência única e inesquecível como uma sinfonia clássica: cheia de nuances belas, trágicas e épicas, que te fazem mergulhar em um mundo que vai além da imaginação, inspirando emoções ricas e variadas.
Sua cronologia complexa e imensa gama de personagens tornam O Silmarillion uma leitura desafiadora, mas com paciência e sem se pressionar a decorar todos os nomes e lugares logo de primeira, garanto que é uma obra que vai conquistar um lugar especial na estante de qualquer fã de fantasia.
Afinal, esta é a fundação mítica que sustenta o universo da Terra Média, incontestavelmente uma das maiores criações literárias da história!
Se você busca entender mais da Terra Média, te convido também a ler o guia do Amor por Livros sobre a ordem de leitura dos livros de Tolkien. Você vai encontrar diferentes formas de leitura, para todo tipo de leitor.