O Oceano no Fim do Caminho é um livro que chama atenção. Primeiro porque tem um capa e um título enigmático. Segundo porque é um livro com aquele jeito envolvente e dramático de escrever de Neil Gaiman, o mesmo autor de Sandman, Coraline e Deuses Americanos.
Aqui somos conduzidos pela história de um homem que retorna à sua casa de infância após o falecimento do pai. Lá ele é surpreendido com memórias de sua infância há muito tempo esquecidas, transportando-o para um passado cheio de eventos estranhos e misteriosos.
Entretanto, por se tratar de Gaiman, já fica o aviso: esse é aquele tipo de livro que ou você gosta, ou não entende. É preciso ler de cabeça aberta, se permitindo estar na fronteira entre o real e místico, mas também questionando o que é tangível e o que é apenas fruto da imaginação do narrador.
A história e a vida real de Neal Gaiman
Quando comecei a ler O Oceano no Fim do Caminho, logo percebi algumas similaridades com a história de vida do autor (lembrei porque escrevi um post sobre a biografia de Neil Gaiman).
Pesquisando um pouco, descobri que, de fato, o autor usou um pouco da sua própria infância para dar vida a esse narrador. Gaiman também foi uma criança que vivia no mundo dos livros, também ganhou As Crônicas de Nárnia quando criança e teve uma infância um pouco sozinha.
Mas claro que essa narrativa é cheia de fantasias e mitologias (com conexões com outros mundos de Gaiman), então a história tem poucas correlações após as primeiras páginas.
Porém essa peculiaridade trouxe para mim um outro questionamento para a leitura. O livro tem outra curiosidade que não comentarei aqui, para não estragar a magia. Só perguntarei, caso você já tenha lido: qual é o nome do personagem principal?
For the curious, the locations in Ocean at the End of the Lane were all from my childhood. The pond was the one in the Herontye Lodge (Archives pic. Pond on other side of the house.) pic.twitter.com/U0x3gMCaSc
— Neil Gaiman (@neilhimself) December 8, 2019
Em tradução livre: “Para os curiosos, os locais de O oceano no fim do caminho são todos da minha infância. O lago era o que ficava em Herontye Lodge (foto de arquivo, lago está do outro lado da casa).”
Um livro emocionante desde suas primeiras páginas
Como comentei, O oceano no fim do caminho começa com o retorno do nosso narrador para a cidade onde cresceu. Lá ele tem a vontade de rever sua casa – a casa que não mais parecia com sua casa, afinal de contas – e os vizinhos no fim do caminho.
Durante essa viagem, ele começa a lembrar da sua infância: as vivências mais dolorosas, seus medos e a hipocrisia dos adultos.
Ele lembra de seu gato, dos seus vizinhos e de Lettie, sua amiga de 11 anos que mais parecia adulta que criança.
Durante essa recordação, o menino te leva em uma busca sobre o que era real e o que não era, tentando entender o que ele vivenciou quando criança e precisou passar para ser quem ele é hoje.
Esse menino que te dá a mão só tem 7 anos, e ele precisa ser muito corajoso, muito mais corajoso que muitos adultos.
(A história do nosso personagem é tão marcante que dá vontade de abraçar o menino e dizer “vai ficar tudo bem”.)
Minha experiência com o livro
Bem, O oceano no fim do caminho não é um livro clichê. Longe disso.
Mas, por se tratar de um livro infanto-juvenil, ele tem um ladinho de “lição de moral”.
O livro fala da infância, da fragilidade das nossas memórias, da coragem e da confiança. E fala também sobre o suposto (sim, suposto) amor familiar, a importância das nossas amizades e sobre a relação entre crianças e adultos.
É incrível que Gaiman nos lembra que, quando crianças, achamos que os adultos são tão mais maduros, tão mais poderosos e corajosos que nós.
Mas adultos também são apenas crianças, só que por dentro, não é mesmo? Todos nós temos inseguranças e receios da nossa criança interior.
Sobre a história, a leitura é fácil e até relativamente curta. Mas não espere que ela faça sentido.
Na verdade, nada faz sentido mesmo, e essa é a essência da narrativa de Neil Gaiman. Esteja aberto a acontecimentos malucos sem – ou com pouquíssima – explicação, cenas absurdas, momentos muito tristes e outros de puro medo.
O oceano no fim do caminho é um livro sobre emoções, e não sobre razão.
Infelizmente – e eu estou ok com isso -, esse tipo de livro não encontra um espaço especial no meu coração. Gosto de histórias mais longas, mais racionais, com direcionamento e propósito claro. E principalmente sem finais abertos.
Sim, aqui o final deixa aberto algumas interpretações diferentes. O que para mim é sempre frustrante.
Mesmo assim, eu não tiro os lados positivos desse livro, muito menos suas reflexões e o impacto que deixaram em mim. No fim eu curti essa viagem.
E curti ainda mais por poder escutar o próprio Neil Gaiman narrando sua história – uma experiência que eu indico para qualquer um que tenha o privilégio de poder escutar um livro em inglês, no Audible (que agora também tem o serviço em português).
Por fim, o que eu posso dizer se você for ler esse livro é: se deixe levar por esse menino.
Vá até o final de sua história e aproveite-a da forma que ela lhe é dada. Afinal, a memória nunca pode ser confiada. E minha opinião aqui já pode ter sido alterada pelo que ficou na minha.
Você vai entender quando chegar na última página.
Minha nota: 3,5 de 5 ⭐⭐⭐.
Se você é fã do escritor, não deixe de conferir todos os livros de Neil Gaiman já lançados.
Nova edição de colecionador
No fim de 2023, a Intrínseca divulgou sua nova edição de O oceano no fim do caminho, no mesmo modelo da edição de colecionador de Coraline (que está, inclusive, na nossa lista de livros mais bonitos para se ter na estante).
O livro, além de ser ilustrado por Elise Hurst, possui capa dura com nova arte, laterais pintadas de azul e fitilho.
Sinopse de O oceano no fim do caminho
Autor: Neil Gaiman
Páginas: 208
Sinopse: Foi há quarenta anos, agora ele lembra muito bem. Quando os tempos ficaram difíceis e os pais decidiram que o quarto do alto da escada, que antes era dele, passaria a receber hóspedes. Ele só tinha sete anos.
Um dos inquilinos foi o minerador de opala. O homem que certa noite roubou o carro da família e, ali dentro, parado num caminho deserto, cometeu suicídio. O homem cujo ato desesperado despertou forças que jamais deveriam ter sido perturbadas. Forças que não são deste mundo. Um horror primordial, sem controle, que foi libertado e passou a tomar os sonhos e a realidade das pessoas, inclusive os do menino.