Logo no começo já quero deixar claro que, se você ama as histórias de deuses e heróis presentes na rica e influente mitologia grega, você precisa ler esse livro.
As Crônicas da Nova Grécia é uma bela homenagem a esse universo, escrito por alguém que ama essas histórias, mas que tem algo pessoal para dizer.
A história do livro
Lisimba é um semideus filho de Afrodite com um mortal. Após receber uma visão de Nereu, o velho deus do mar, Lisimba entra em uma jornada para levar Aletha, uma princesa ateniense, de volta para Atenas. O problema é que estão em território espartano, e uma guerra entre esses dois reinos está próxima.
Lisimba e sua protegida Aletha contarão com a ajuda da guerreira Zara, uma ex-escrava egípcia que foi libertada e treinada por Hércules. No caminho encontrarão os mais variados desafios como os já esperados espartanos à procura da princesa e criaturas que atormentam a região.
A história de As crônicas da Nova Grécia ocorre no passado, porém em uma realidade onde ocorreram dilúvios criados por Zeus, causando mudanças no mundo, incluindo terras gregas. Esse fato é algo interessante na história, pois é o ponto onde o autor traça uma linha para mostrar que história é uma continuação/evolução da mitologia conhecida.
“As pinturas nas paredes, no chão e no teto do pequeno salão retratavam a Batalha das Termópilas, ocorrida na antiga Grécia, antes do último dilúvio criado por Zeus matar metade da população do mundo conhecido, destruir cidades e mudar as terras gregas.”
Pontos interessantes de As Crônicas da Nova Grécia
Os personagens contarão com ajuda de diversas pessoas, incluindo alguns deuses. Esse é um detalhe que gosto muito, pois me remete às famosas histórias onde os deuses tomam partido e intervêm ajudando com dicas, poderes ou armas. Como é o caso dos clássicos Jasão e os Argonautas, A Odisseia, e Fúria de titãs.
Em obras mais recentes esse elemento está presente na série de livros de Percy Jackson, em jogos como God of War e na animação Sangue de Zeus.
A história é narrada sobretudo pela visão de três personagens, que são separados e nomeados em capítulos, como Lisimba e Zara, mas existem casos excepcionais onde personagens que não estão inseridos no núcleo dos protagonistas também possuem sua visão da história.
Os diálogos foram usados como um recurso sábio na hora de contar algumas histórias da mitologia grega, algumas mais conhecidas e outras nem tanto. Muitos personagens famosos aparecem ou são citados.
Uma cena em particular me chamou muito a atenção. Em um determinado momento, a guerra de Troia, ou pelo menos o final dela, é contada através de um teatro no centro de uma cidade em que os personagens se encontravam.
Racismo e xenofobia
Apesar do livro a princípio ser sobre deuses e heróis, existe algo que está inserido na história que é muito importante. O autor fala sobre preconceito, especificamente o racismo e machismo. Esse conteúdo não é raso ou chato, como alguns podem pensar previamente, e faz total sentido com a obra.
O personagem Lisimba é filho de Afrodite, mas preto, como seu pai que é egípcio com ascendência da África subsaariana. Apesar de grego e semideus, enfrenta olhares suspeitos por onde passa.
“As pessoas sempre me olham estranho. Desde sempre. Eu sou o preto, o estrangeiro, mesmo tendo mãe grega, mesmo tendo sido criado na Grécia. As pessoas me olham estranho mesmo sabendo que eu sou um semideus!”
Lisimba
A mensagem aqui é clara, a cor de pele te faz ser julgado em seu próprio país. Lisimba e outros personagens se sentem estranhos até mesmo em suas terras natais.
Também existem passagens onde podemos associar com várias imigrações de um povo para outras regiões. A xenofobia presente no livro é algo que podemos associar com os Haitianos no Brasil ou Árabes na Europa.
“Eu me recuso a viver sob costumes estrangeiros. Os pretos estão tomando conta da cidade, pouco a pouco. Alguns se casaram com gente nossa, estão tendo filhos; logo tomarão todo o reinado do sul. Se aceitarmos isso tudo, em breve não seremos mais gregos.”
As guerras entre Atenas e Esparta, também chamadas às vezes de norte e sul, remetem muito aos eventos nos Estados Unidos, como a guerra de secessão, onde o Norte lutou com o Sul escravagista.
Machismo
E sobre o machismo, a personagem Zara possui vários momentos em que ela é subestimada por ser mulher. Recebe críticas e zombarias por seu modo de se vestir ou se portar. Soma-se também o fato de ser preta, fazendo-a sofrer o preconceito dos gregos de forma dobrada.
“Ela sabia como os homens eram, como se comportavam, mas isto continuava a machucá-la muito mais do que gostaria de admitir. ”
Ela é uma personagem muito interessante que procura seu real propósito de vida. A princípio sente que deve lealdade a Afrodite, mãe de Lisimba. É provavelmente a personagem que mais gostei em todo o livro.
Extras do livro
Como todo ótimo livro de fantasia, o livro apresenta um apêndice ao final do livro contendo informações sobre alguns personagens e informações de cores e símbolos do estandarte dos reinos de Atenas e Esparta e suas cidades vassalas.
Sobre essa descrição dos estandartes é uma pena que não tenha as ilustrações de fato, enriqueceria muito o que o autor apresenta, como George Martin faz ao final de seus livros com o apêndice das casas/famílias e seus brasões. Apesar de não interferir em absolutamente nada, é uma sugestão que eu deixo para o autor.
Também possui um compêndio com personagens mitológicos que aparecem ou que são apenas citados na obra. Para quem não conhece tanto assim os deuses ou criaturas, é algo bem legal para conferir a atribuição/domínio dos deuses ou uma breve descrição de outras criaturas.
Ainda no Apêndice, há três mapas ilustrando os lugares mencionados na história.
Conclusão
Dois pontos negativos que valem mencionar é, talvez, a transição de tempo, que na minha impressão teve alguns momentos que passaram rápido demais e ficaram vagos. E alguns personagens mal explorados que não tiveram tempo para brilhar.
Durante a leitura, surgiam dúvidas sobre alguns detalhes no mundo criado pelo autor, que poderiam simplesmente nunca serem mencionados, mas fiquei muito feliz em ver essas questões sendo abordadas e respondidas. Sinal de que o autor pensou muito sobre o mundo criado.
O domínio que o autor possui sobre a mitologia grega é incrível! Apesar de usar esses personagens conhecidos e dar seu toque como escritor, não muda em nada a essência de cada um. É visível a dedicação em pesquisas que certamente fez para deixar sua obra mais precisa e coerente possível.
As Crônicas da Nova Grécia – Livro II encerrará a duologia e tem previsão para agosto de 2022.
Minha avaliação: 4.5
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Sobre o autor Jonas Lima Alves
Jonas é natural de Canoas, Rio Grande do Sul. Quando criança, se viu fascinado por filmes do século XX baseados na Mitologia Grega, como “Hércules” (1983), “Jasão e os Argonautas” (1963) e a “A Odisséia” (1997), sendo este último seu longa-metragem favorito do gênero.
Na adolescência, a paixão se estendeu aos livros: tinha como favoritos “Olimpo – A Saga dos Deuses”, de Márcia Villas-Bôas, “Tróia”, de Cláudio Moreno, e a saga “Percy Jackson e os Olimpianos”, de Rick Riordan. Já no início da fase adulta, começou a escrever por sugestão de um amigo.
Gostei muito da resenha!! Me deixou curiosa para ler o livro!!