O livro Escravidão Volume 2 é a segunda parte de uma trilogia em que o jornalista Laurentino Gomes aborda esse período sombrio da nossa história.
O projeto é fruto de uma pesquisa que levou 6 anos, a leitura de mais de 200 livros e viagens a 12 países.
Sobre o autor Laurentino Gomes
Laurentino Gomes é um aclamado jornalista e escritor dos livros 1808, 1822 e 1889 e agora de sua recente trilogia Escravidão: Volume 1, Volume 2 e Volume 3.
Para saber um pouco mais do que eu acho sobre um jornalista escrevendo livros sobre história, eu recomendo ler a resenha do Escravidão: volume 1.
Da corrida do ouro até a chegada de Dom João ao Brasil
Como sempre, o autor conta informações riquíssimas sobre o período. Esses conteúdos vão desde a guerra na África, onde as tribos guerreavam entre si para escravizar seus rivais e vendê-los aos europeus, até o cotidiano e trabalho dos escravizados no continente Americano.
Apesar de muita informação detalhada sobre viagem e captura ser narrada no Volume 1, Laurentino traz novamente alguns detalhes para não deixar o leitor perdido, mas ao mesmo tempo expõe um ou outro fato para não ser algo repetitivo.
“Geologicamente separados ao longo de milhões de anos, Brasil e África se aproximaram novamente pela ação do tráfico negreiro, e durante quase quatro séculos funcionaram como se estivessem situados em margens opostas de um mesmo rio, o Atlântico.”
No começo, a mão de obra escrava foi incorporada nas atividades mais importantes do Brasil colônia, como a extração do pau-brasil e da indústria do açúcar no nordeste.
Logo se espalhou para todo tipo de trabalho na sociedade brasileira, e uma delas foi a extração de pedras e metais preciosos no interior do país.
Escravidão Volume 2 aborda o período introduzido no final do primeiro volume, a descoberta do ouro em Minas Gerais.
“Entre 1700 e 1750, o Brasil respondeu sozinho pela metade da produção mundial de ouro.”
Alguns capítulos narram sobre essa atividade que foi importante para economia portuguesa e para a sociedade brasileira, já que muitas vilas e cidades foram fundadas pela presença do ouro e outros metais preciosos.
Resistência
O livro separa uma parte para falar sobre a resistência dos escravizados, e foi um dos momentos que mais gostei de ler.
Ele também destaca as variadas formas em que isso ocorria, não focando apenas em fugas.
“Pequenas faltas, fugas rápidas, corpo mole no trabalho, malfeito ou inacabado, fingir não dominar a língua ou as ordens, eram todas formas de resistência que não necessariamente incluíam o enfrentamento direto.”
Claro que, com resistência por parte dos escravizados, os donos de escravos passaram a usar diversas formas de castigo. Com isso, chibatadas e outras formas de tortura eram usadas com o intuito de “educar” os demais.
Outro destaque foi quando o autor cita a terceirização dos castigos, ou seja, nem sempre o castigo era realizado pelo dono do escravo ou seus empregados, mas, sim, pelo próprio governo que tinha profissionais para tais atos.
“A vida do negro escravo desde a sua captura na África até o trabalho nas plantações do Novo Mundo foi uma longa epopeia de sofrimento.”
Uma outra forma de resistência interessantíssima foi aquelas em que os brancos não podiam ver, ou melhor, não sabiam compreender o que estava a sua frente.
É de conhecimento geral que o Brasil foi construído por mãos negras, mas pouco se sabe os segredos que eles escondiam na arquitetura e arte de suas construções, já que um escravo não era autorizado a assinar sua obra.
Os segredos escondidos que foram pintados em alguns lugares só eram compreendidos por quem estava informado a respeito de seus significados. Como, por exemplo, a igreja de Santa Efigênia em Ouro Preto que conta com vários símbolos de orixás escondidos em sua estrutura.
“Bem-vindos à África, este é um pedaço da África. Quem construiu esta igreja sabia muito bem o que estava fazendo. E sua memória está aqui preservada nestes símbolos e enigmas.”
A liberdade é branca
Outro capítulo importante trata sobre as revoluções que ocorrem na Europa e América. Inspirados sobretudo no Iluminismo, pensadores propunham ideais como a liberdade para todos.
Por exemplo, a Declaração de Independência dos Estados Unidos de 1776 ou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da França em 1789 ignoravam os negros.
“Os documentos, manifestos e discursos falavam em liberdade, direitos para todos, participação popular nas decisões, mas seus autores conviviam naturalmente com a escravidão, como se a defesa dessas ideias não dissesse respeito aos negros.”
É irônico pensar que Thomas Jefferson, um dos principais autores da Declaração de Independência dos Estados Unidos, o autor da frase “Vida, liberdade e busca da felicidade”, era dono de mais de 600 escravos.
Apesar das revoluções do século XVIII serem um grande avanço para a democracia e o progresso dos direitos civis, muitas pessoas ficaram de fora, como o caso dos negros. Por isso, A liberdade é branca é um nome perfeito para o capítulo que trata sobre esse assunto.
Ainda levariam anos para os negros, indígenas e mulheres conseguirem os mesmos direitos dos homens brancos. E mesmo atualmente, em alguns casos, não parece que de fato esses mesmos direitos são aplicados a todos.
Vale a pena ler Escravidão Volume 2?
A resposta direta é sim, vale a pena ler Escravidão 2. Um dos materiais mais acessíveis sobre história pertencem a Laurentino Gomes. E não é só por ser uma linguagem simples que torna o livro bom – o conteúdo é excelente.
O Brasil é um dos países com maior diversidade racial e cultural do planeta. Os nossos costumes, tradições, religiões e o próprio idioma foram moldados com a contribuição dos africanos que foram arrancados à força de seus lares.
São obras como esse livro que nos ajudam a compreender mais sobre o nosso próprio passado. E com alguns esclarecimentos começamos a compreender nossa sociedade atual e o motivo de tanto preconceito e injustiças que ainda ocorrem.
O livro termina com a fuga da corte portuguesa para o Brasil e sua história continuará no já lançado Escravidão – Volume 3: Da Independência do Brasil à Lei Áurea.
Minha avaliação: ⭐⭐⭐⭐