O Chamado Selvagem é um dos primeiros livros do escritor americano Jack London, também conhecido pela obra Caninos Brancos. Ambos os livros se passam no norte gelado e são narrados pela perspectiva de um cachorro/lobo.
O personagem principal aqui é Buck, um cachorro meio São-Bernardo, meio Collie, acostumado com a vida boa e livre em uma terra ensolarada. Ele é um cachorro educado que se dá bem com todos no terreno do seu dono, um juiz.
Porém sua vida muda drasticamente quando Buck é sequestrado, por razões que envolvem a ganância e a fraqueza dos humanos, e é vendido para puxar trenós no noroeste do Canadá, em Klondike, na época da Corrida do Ouro.
Buck vai aprender rapidamente que, em terras como esta, quem segue as leis morais não tem necessariamente um final feliz.
“Ele fora vencido (sabia disso), mas não fora domado.”
Da moralidade a luta pela vida
Após seu sequestro, Buck se vê em um ambiente totalmente diferente do que está acostumado. Já no primeiro contato com seu novo lar, ele descobre o que um porrete pode fazer e como os caninos podem tirar o melhor dele, se ele deixar ser derrubado.
A adaptação não para por aí: Buck aprende a lidar com a vida na neve, a puxar trenós e a seguir as regras dessa terra gelada e isolada.
Em seu novo trabalho, Buck encontra diferentes donos, alguns cruéis e outros bondosos. Mas isso nunca irá tirar o seu foco em dar o seu melhor e fazer o que é necessário para eles.
São nos momentos de calma, conforme se adapta a sua nova realidade, que Buck começa a se “lembrar” de caçar e descansar com nossos ancestrais. Um chamado da sua natureza e da suas raízes de lobo, que se aflora cada vez mais até culminar em um momento fatal.
A Corrida do Ouro de Klondike
Como mencionei, essa história se passa em uma época bem interessante e específica do Canadá.
Entre 1896 e 1899, cerca de 100 mil garimpeiros migraram para a região de Yukon, no noroeste do Canadá, em busca de riquezas. Alguns de fato mineraram seu próprio ouro e enriqueceram, mas outros acabaram viajando em vão.
Essa corrida do ouro também impactou negativamente os povos indígenas da região, que sofreram com a invasão de suas terras, perdendo também suas vidas.
A utilização desse cenário histórico torna O Chamado Selvagem ainda mais rico, permitindo que a história explore o dia a dia dos garimpeiros e trabalhadores daquela época.
A narrativa retrata vários aspectos da vida no norte, como o uso de cachorros em vez de cavalos para o transporte, as travessias com trenós e os erros comuns cometidos por aqueles que não estavam preparados para uma jornada na neve que poderia durar dias.
Esses detalhes estão lá porque o próprio escritor, Jack London, participou da corrida. Apesar de não ficar rico minerando o ouro, ele escutava e adaptava as histórias de outros mineradores.
O jeito de Jack London escrever
Um dos meus livros favoritos na infância foi Caninos Brancos, então eu meio que já imaginava o que estava por vir.
Mas para quem não está acostumado com o escritor, o primeiro ponto que preciso ressaltar sobre o Chamado Selvagem é que eu não o recomendo para quem não consegue lidar com maus tratos aos animais.
Comparado ao Caninos Brancos, aqui a história é menos brutal (em muitos sentidos). Mas mesmo assim possui algumas cenas onde os cachorros são espancados ou mortos.
Até tem algumas cenas fofas entre Buck e seus donos, mas são bem escassas.
“A misericórdia estava reservada para climas mais amenos”
Apesar disso, O Chamado Selvagem é, sim, uma leitura interessante – densa, mas ao mesmo tempo muito simples e rápida de ler. Buck tem novos desafios constantemente e a leitura nunca chega a ficar morna.
O desfecho do livro chega até a ser inesperado, o que é um grande refresco.
Mas o que sempre me impressiona na escrita de London é sua forma simples de narrar a perspectiva de um cachorro, e não de um “cachorro humanizado”.
Cachorros roubam comida, são territorialistas, brigam entre si pela liderança. E aqui não é diferente. Buck é um cachorro real, e durante a leitura eu fui capaz de imaginar seus atos e seus comportamentos.
Para mim, foi uma leitura de 4 estrelas ⭐⭐⭐⭐. Gostei muito de ter conhecido essa história.
“O chamado selvagem nos chama a todos”
Indo além da história de O Chamado Selvagem
Indo além da esfera da história de “um cão que recebe um chamado selvagem”, queria falar também sobre as questões que o livro, indiretamente, nos faz refletir.
Um dos pontos do livro é a figura do herói, no caso a desconstrução dela. É algo incomum, principalmente em histórias dessa época.
No início, Buck é um herói típico – justo, calmo, privilegiado e autoconfiante. Porém, quando destituído da moralidade e do companheirismo, seus instintos selvagens e primitivos começam a prevalecer.
Buck se torna furtivo, agressivo e fará de tudo para tomar a liderança do grupo. Isso quer dizer, pelas leis dos caninos, que ele deve prevalecer e se tornar o único líder.
De forma nenhuma parece “errado” o que Buck faz ou o que se torna. Ele apenas está se moldando para a sua sobrevivência.
Esse aspecto do livro estabelece um paralelo interessante com o comportamento humano. Nós também, quando longe da civilização e das convenções, somos confrontados com nosso lado mais primitivo. Em locais onde não há ordem social, a força e o poder muitas vezes são determinantes para a sobrevivência.
Então será que a evolução da humanidade realmente nos tornou seres verdadeiramente civilizados, ou é a estrutura da civilização que nos permite manter um comportamento civilizado?
Em resumo, O Chamado Selvagem reflete sobre como o ambiente em que vivemos e as circunstâncias em que nos encontramos moldam nosso comportamento e nossas ações, assim como a obra Os Caninos Brancos.
Li o livro na semana passada, que coincidência! Eu adorei (só que as cenas de violência contra os cães foram bem desagradáveis para mim). Tanto que já comecei a ler o Caninos Brancos…rsrsrs
A respeito das suas considerações após a leitura, recomendo a leitura do Senhor das Moscas. Esse livro foi bem perturbador.
Coincidência mesmo! Acho que não tem como não se sentir mal com essas cenas. Em Caninos Brancos mesmo, céus! Dá muita raiva/nojo.
Opa, vou adicionar esse livro na minha lista.